A apresentação de uma ação popular não depende da comprovação da existência de prejuízo aos cofres públicos, bastando apenas a ilegalidade do ato administrativo que se pretende invalidar, uma vez que a lei de ação popular define o termo “patrimônio público” de forma ampla, englobando não apenas os bens econômicos, mas também a moralidade da Administração. Com esse entendimento, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a condenação por perdas e danos do ex-prefeito do município de Ciríaco (RS), Vitassir Ângelo Ferrareze, que construiu uma réplica da estátua do Cristo Redentor com verbas destinadas à construção de parques recreativos e desportivos.
Em 1995, o cidadão D.A.T. moveu ação popular contra o então prefeito por ferir os princípios da legalidade e da moralidade da Administração Pública. O morador alegava que o monumento de 20 metros de altura não estava previsto no orçamento do município de Ciríaco, que já estaria em dificuldades financeiras para manter as necessidades básicas da população, como saneamento básico e saúde.
O ex-prefeito e a empresa construtora Gran Metal – Granitos e Metais Ltda. foram condenados pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) a devolverem aos cofres públicos o valor de R$ 57 mil devidamente corrigidos. O TJRS entendeu que o processo licitatório, na modalidade convite, estaria viciado, “na medida em que teria sido intencionalmente dirigido”. A decisão também ressaltou que o poder legislativo local teria aprovado “tão somente a construção de um parque de rodeios e competições tradicionais, jamais a construção de um monumento de tamanha envergadura, o que caracterizaria desvio de finalidade”. O desvio de finalidade ou de poder acontece quando a autoridade, embora atuando nos limites de sua competência, pratica o ato por motivos ou com fins diversos dos pretendidos pela lei ou exigidos pelo interesse público.
Inconformado, o ex-prefeito recorreu ao STJ, argumentando violação ao artigo 535 do Código de Processo Civil. Segundo a defesa de Ferrareze, o TJRS não teria se pronunciado sobre pontos necessários à análise aprofundada do processo, tais como: a aprovação das contas do ex-prefeito pelo Tribunal de Contas do estado; a exigência do requisito de lesividade como condição do exercício da ação popular; o descabimento de reparação devido à ausência, no caso, de lesão aos cofres públicos e dano, entre outros.
Todavia, para o relator do processo, ministro Humberto Martins, os argumentos da defesa não procedem. “A decisão do TJRS foi clara e precisa, contendo os fundamentos de fato e direito suficientes para uma prestação jurisdicional completa. Na verdade, o que se observa é que a questão não foi decidida conforme objetivava o recorrente (ex-prefeito), afinal o juiz não fica obrigado a manifestar-se sobre todas as alegações das partes, nem a ater-se aos fundamentos indicados por elas ou a responder, um a um, os seus argumentos, quando já encontrou motivo suficiente para fundamentar a decisão, o que de fato ocorreu”.
“O STJ tem decidido que a ação popular é instrumento hábil na defesa da moralidade administrativa, ainda que inexista dano econômico material ao patrimônio público”, salientou Humberto Martins, concluindo que a existência de prejuízo ou, ainda, o valor fixado na condenação são questões que demandariam a análise das provas, o que é incabível em recurso especial. Em face desse entendimento, o ministro conheceu em parte do recurso, mas negou-lhe provimento, sendo acompanhado pelos colegas da Segunda Turma.
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