Por Celso Lungaretti 31/12/2009 às 13:51
Vou surpreender meus leitores, ao reconhecer que, pelo menos num ponto, os comandantes militares insubmissos estão certos: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva está mesmo empurrando com a barriga a solução da crise que eles provocaram.
A ordem é minimizar o frontal desafio do ministro da Defesa Nelson Jobim e dos três comandantes das Forças Armadas (ou apenas de dois, as versões variam...), à autoridade presidencial, ao Governo, à democracia e aos valores da civilização. Tarso Genro e Paulo Vannuchi, seguindo o script da Operação Panos Quentes, dizem que a coisa não foi tão grave assim e que as arestas serão aparadas futuramente. Não se sabe sequer quando. Alguns dizem que vai ser a partir do 11 de janeiro em que Lula reassumirá seu posto. Outros, que a nova e expurgada versão do Programa Nacional de Direitos Humanos só será conhecida em abril. O veteraníssimo colunista político Jânio de Freitas denuncia que o vazamento da insubordinação militar foi orquestrado: plantaram a notícia simultaneamente em vários órgãos de imprensa, uma semana depois dos fatos. Quem seriam os vilãos? Pessoas interessadas em provocar crises institucionais, com vistas à próxima eleição presidencial. Ou seja, quereriam minar a popularidade de Lula, ao açularem contra ele o que há de mais liberticida, reacionário, rancoroso e podre na sociedade brasileira. Faz sentido. TIGRES DE PAPEL Subsiste, entretanto, o fato de que as forças golpistas são aquelas mesmas que tentaram lançar o Cansei, com enorme apoio na mídia, e mesmo assim colheram retumbante fracasso. Se possível, estão mais debilitadas ainda, face ao aumento acentuado da popularidade do Lula. Então, é de se lamentar que ele não tenha aproveitado o momento propício para esmagar o ovo da serpente, utilizando um motivo que sempre calou fundo na caserna: a quebra da autoridade. Quando o ditador Geisel tentava desmontar a máquina de terrorismo de estado que se tornara desnecessária com o fim da luta armada, havia muitos setores militares que continuavam defendendo o DOI-Codi. Aí se deu o assassinato de Vladimir Herzog e Geisel ordenou aos torturadores: um acontecimento desses não poderia se repetir. Logo depois eles mataram Manuel Fiel Filho. Foi quando Geisel extinguiu o DOI-Codi e dispersou seus integrantes por unidades militares distantes, não porque fossem culpados de atrocidades, mas por terem descumprido a ordem direta dele, comandante supremo das Forças Armadas. Nem o mais empedernido defensor do arbítrio ousou protestar, quando as coisas foram colocadas dessa forma. A obediência à hierarquia é incutida nos aspirantes a oficiais desde o primeiro dia de Academia. Enfim, não adianta chorarmos o leite derramado. Lula perdeu ótima oportunidade para livrar-se dos que estão, dentro do seu governo, semeando ventos para provocar tempestades. Torçamos para que ele não venha a arrepender-se amargamente disto -- pois os maiores prejudicados seremos nós. O FUNDAMENTAL E O SECUNDÁRIO De resto, os ministros progressistas devem ter clareza quanto ao que é realmente importante defenderem, durante a revisão do PNDH prometida por Lula aos militares chantagistas. A apuração integral dos crimes praticados por agentes do Estado (e pelos paramilitares por eles acobertados, como os do CCC) durante a ditadura é imprescindível e inegociável. A apuração simultânea de eventuais excessos praticados por resistentes seria totalmente descabida, uma mera igualação entre carrascos e vítimas, que só se sustenta em termos propagandísticos. A extrema-direita bate nesta tecla à exaustão nos seus sites goebbelianos, omitindo sempre que nada disso teria acontecido se a democracia não houvesse sido detonada pelos golpistas de 1964; e que há enorme diferença entre terrorismo de estado, sancionado pelo ditador de plantão e seus ministros (os signatários do AI-5), e as reações desesperadas dos resistentes. No fundo, os comandantes fascistas não são tão obtusos a ponto de ignorarem que por aí não se irá a lugar nenhum, em termos legais. Querem apenas munição para a batalha de mídia, contando com a conivência da grande imprensa para confundir a opinião pública. É uma falácia que deve ser firmemente rechaçada. Quanto à retirada ou manutenção das homenagens prestadas a totalitários, não importa tanto. O povo, na verdade, não está nem aí para a figura histórica que deu nome a uma via ou logradouro público. Às vezes, a denominação oficial nem sequer vinga, como nos casos da ponte Rio-Niterói (RJ) e do Minhocão (SP). Quem atenta para que ambos reverenciam o ditador Costa e Silva? Quantos conhecem o papel histórico que ele desempenhou? Quando a coisa passa da conta, a reação da cidadania já corrige a distorção: em São Carlos (SP), uma campanha de esclarecimento foi suficiente para a rua Sérgio Paranhos Fleury ser rebatizada como rua D. Helder Pessoa Câmara. Então, meu conselho ao Vannuchi e ao Tarso é que finquem pé no fundamental e não desperdicem energias com o secundário.
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Fonte: CMI Brasil
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