BRASÍLIA - No tradicional café da manhã de fim de ano com jornalistas que acompanham os fatos no Palácio do Planalto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva descartou o anúncio de qualquer novo tributo antes do fim do recesso parlamentar, em fevereiro, mas deixou aberta a possibilidade de tomar medidas emergenciais para cobrir despesas.
O presidente afirmou que a única coisa que o deixa preocupado neste final de ano é a crise econômica nos Estados Unidos e sua possível repercussão no Brasil. "A única coisa que me deixa com a antena ligada neste fim de ano é a crise americana. Ninguém sabe o tamanho", admitiu o presidente.
Ele informou que pediu ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, e ao presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, para ficarem atentos. "A crise ainda não atravessou o Atlântico. A crise começou com bancos de desenvolvimento e hoje atinge bancos importantes, como Citibank e o Deutsche Bank", comentou o presidente. Para Lula, uma das causas da crise nos Estados Unidos é o fato de os especuladores americanos agirem "de má-fé".
À espera de que a oposição tome a iniciativa de sugerir aumento de impostos para compensar o fim da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), o Lula disse estar tranqüilo, apesar do rombo orçamentário de R$ 40 bilhões.
O aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), por exemplo, pode ser feito por decreto. No entanto, a lista de medidas emergenciais incluiria, segundo assessores econômicos, o corte de despesas.
"Se tiver gordura para tirar, a gente faz um regime cetônico (que corta carboidratos), vai retirando as gordurinhas", comparou. Lula tratou da briga com a oposição pela CPMF como "página virada" e negou qualquer vingança contra aliados ou opositores.
Afirmou torcer para que oposição e governo se sentem à mesa, como uma família, apesar das divergências. E tentou mostrar, ainda, que são infundadas as críticas dos adversários à suposta falta de diálogo do Planalto com o Congresso.
Sobre eventuais pacotes para compensar a CPMF, avisou: "Todo mundo sabe que tenho ojeriza à palavra pacote". E completou: "O Brasil já anunciou, ao longo de décadas, dezenas e dezenas de pacotes que não deram certo". Ele disse preferir medidas individuais, "cada uma no seu momento certo".
Na entrevista, ainda se queixou de que sua função não dá direito a férias. Por decisão da assessoria de imprensa da Presidência, os 37 jornalistas não puderam usar gravadores ou blocos de anotação - a íntegra da entrevista foi divulgada depois. A conversa durou uma hora e meia. A seguir, os principais trechos:
Crise americana
"A única coisa que me deixa com antena ligada neste final de ano é a crise americana. (...) Ninguém sabe o tamanho. Pedi ao Mantega e ao Meirelles para ficarem atentos".
Fim da CPMF
"Não estou nervoso. Não fiquei nem um pouquinho preocupado com o fim da CPMF. Não perdi nem meio minuto de sono com isso. Não sou adepto da teoria zen, mas não resolvo as coisas com febre alta. Determinei para que fosse votada. Vota logo, vira essa página. O País não pode ficar se remoendo. Alguns acharam que o presidente ia ficar muito forte e fazer o sucessor em 2010. Acho isso uma pobreza de espírito e me dá pena".
Sem pacotes
"Falei com meus ministros que não quero ouvir a palavra pacote. Prefiro comprar de unidade em unidade. O Brasil já foi vítima de muitos pacotes. Claro que, se precisar, podemos ter algumas medidas administrativas emergenciais. Não mando até fevereiro. Só vou pensar em medidas depois do Ano Novo. Vai ter a proposta de política industrial, mas vamos repensá-la, porque tinha desonerações".
R$ 40 Bilhões
"Na medida em que faltam R$ 40 bilhões no Orçamento, vamos ter de, com muita tranqüilidade, encontrar um jeito para suprir aquilo que o Estado não tiver condições de arrecadar, mas conversando com as pessoas, porque todo mundo sabe que eu tenho ojeriza à palavra pacote, porque o Brasil já anunciou, ao longo de décadas, dezenas e dezenas de pacotes que não deram certo. Então, eu prefiro tomar medidas individuais, cada uma no seu momento certo, cada uma conversando com os interlocutores".
Aumento de impostos
"Eu não disse que vai ter ou não vai ter. Essa pergunta é mais antiga que Confúcio. Qualquer coisa que eu fale é como se admitisse alguma coisa".
Cortes
"Se tiver gordura para tirar, a gente faz um regime cetônico, vai retirando essas gordurinhas".
Crescimento
"Tenho certeza que, se o IBGE der menos de 5% de crescimento do PIB neste ano, na atualização vai dar mais de 5%. No ano que vem, vai crescer mais um pouquinho. Vamos crescer 5,5% num ano, 6% no outro, 6,5%. O que posso garantir ao povo é que o crescimento no próximo ano vai ser maior que neste, e em 2009 vai ser maior que em 2008".
Trocas na equipe
"O Mantega fica. É um companheiro de mais de 30 anos, da mais alta competência, qualificação e credibilidade. É o mesmo que o Corinthians fazer 5 a 0 no Grêmio e querer mudar o técnico. O Gil não vai sair. Ele é uma pessoa leve, com ele não tem tempo ruim".
PSDB e vingança
"Nenhuma medida é certa quando feita com vingança. Não discrimino ninguém. Apesar de o PSDB ter votado contra a CPMF, liberei para o governador José Serra R$ 300 milhões para as obras do Rodoanel e o Luciano Coutinho, do BNDES, liberou R$ 1,5 bilhão para o metrô de São Paulo".
Hugo Chávez
"É muito fácil negociar com Chávez. Ele tem uma vontade política muito grande com a América do Sul. O problema é que cai na plutocracia dos dois países. A PDVSA e a Petrobras são gigantes que disputam mercado, são concorrentes".
Medo da morte
"Pensei que (em La Paz) o Tarso Genro tinha morrido. Eu dormi naquela noite de luz acesa e a porta aberta, com medo. Ao menos alguém ia me ver. Pela primeira vez, pensei que iria morrer, ter um piripaque".
Fonte: Tribuna da Imprensa
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